Aritana: O gigante Fulni-ô

03/05/2016 · Por Narelly Batista

Com uma voz grave e sorriso largo, Aritana tem um papel importante entre os guerreiros pernambucanos que levam no sangue a história de resistência do povo Fulni-ô, o único grupo do Nordeste que conseguiu manter viva e ativa sua própria língua.

Morando no sertão de Pernambuco, no município de Águas Belas, situado na zona fisiográfica do Sertão, a 273 quilômetros da capital do estado de Pernambuco, Aritana conhece o que significa a ausência de água para a vida e manutenção da cultura dos povos indígenas. Seu povo vive no chamado polígono das secas e foi com o tempo perdendo os recursos naturais que fortaleciam a sua cultura. As casas de alvenaria são as novas moradas dos Fulni-ô e enfileiram-se por todo o território que um dia foi a mata dos cinco povos que formaram a etnia.

Hoje, com uma distância de aproximadamente 500 metros da cidade, a língua e o ritual sagrado - o Ouricuri- realizado todos os anos de setembro à novembro, tornaram-se os grandes elos de manutenção e preservação da cultura e identidade deste povo.

Quando jovem, Aritana decidiu abandonar a educação tradicional aplicada a não indígenas por verificar a ineficiência da educação pública em agregar os povos da floresta. Depois de ser constrangido diversas vezes por um professor que insistia em desafiar a cultura tradicional do povo Fulni-ô, forçando que ele se manifestasse no período do Ouricuri e descumprisse assim uma regra cultural de seu povo, Aritana, na época cursando a quinta série do ensino fundamental, tomou uma grande decisão: abandonou a escola.

O episódio foi marcado por dois rompimentos: o de Aritana com a escola e do professor com a profissão. Infelizmente a medida da secretaria de educação não foi suficiente para que outros jovens Fulni-ôs se sentissem amparados e continuassem na escola e assim como o nosso gigante, muitos outros jovens, incompreendidos por aquele sistema educacional deixaram os estudos. 

O tempo passou e o gigante tornou-se o chefe dos Tapuyas. Divertido e cheio de presença, ao ser questionado sobre o ensino de Ia-tê para não indígenas, fica sério. Adverte que o Ia-tê é sua arma e por isso não apóia que a língua seja repassada para não índios.

"Ninguém em sã consciência dá sua única riqueza para seu algoz. Por mais que eu confie em vocês, meu povo já sofreu muito. Foi assassinado, estuprado. A nossa língua é nossa única salvação. Enquanto eu viver não cederei o que é nosso. Perdemos terras o tempo todo, mas a nossa língua, essa eu vou proteger", explica.

Aritana tem 4 filhas e espera colaborar com um mundo mais fraterno e diverso tendo no mínimo 15 filhos. Sabe cantar como ninguém e compõe ao lado dos guerreiros pernambucanos o mais belo e forte canto que a Aldeia Multiétnica já ouviu. Aritana poderia ter terminado os estudos e garantido, no ponto de vista branco, um "futuro melhor" para os seus, mas fez algo muito mais importante. Com seu cuidado com a natureza e com seus costumes, sua sabedoria tradicional garante a nós (indígenas e não indígenas) um mundo muito mais diverso e sadio.

Viva Aritana, o gigante Fulni-ô.